Textos

Armazeno aqui alguns textos e artigos sobre diversos assuntos que achei interessantes serem guardados. Quando conhecido referencio autor e fonte de publicação. Alguns títulos foram criados apenas para facilitar o link. Caso sejam encontradas incorreções, peço me comunicar para acertos e registro dos devidos créditos.

Paradoxo de nosso tempo na história (autor desconhecido)

Meus Secretos Amigos (autor desconhecido)

Volta às aulas (Stephen Kanitz)

Questão de Física (Waldemar Setzer)

O Fantasma da Máquina (Arthur Dapieve)

Parabéns, Calouros de 2007 (Stephen Kanitz)


Paradoxo de nosso tempo na história (autor desconhecido)

O paradoxo de nosso tempo na história é que temos edifícios mais altos, mas pavios mais curtos; auto-estradas mais largas, mas pontos de vista mais estreitos; gastamos mais, mas temos menos; nós compramos mais, mas desfrutamos menos. Temos casas maiores e famílias menores; mais conveniências, mas menos tempo; temos mais graus acadêmicos, mas menos senso; mais conhecimento e menos poder de julgamento; mais proficiência, porém mais problemas; mais medicina, mas menos saúde. Bebemos demais, fumamos demais, gastamos de forma perdulária, rimos de menos, dirigimos rápido demais, nos irritamos muito facilmente, ficamos acordados até tarde, acordamos cansados demais, raramente paramos para ler um livro, ficamos tempo demais diante da TV e raramente oramos. Multiplicamos nossas posses, mas reduzimos nossos valores. Falamos demais, amamos raramente e odiamos com muita freqüência. Aprendemos como ganhar a vida, mas não vivemos essa vida. Adicionamos anos à extensão de nossas vidas, mas não vida à extensão de nossos anos. Já fomos à Lua e dela voltamos, mas temos dificuldade em atravessar a rua e nos encontrarmos com nosso novo vizinho. 

Conquistamos o espaço exterior, mas não nosso espaço interior. Fizemos coisas maiores, mas não coisas melhores. Limpamos o ar, mas poluímos a alma. Dividimos o átomo, mas não nossos preconceitos. Escrevemos mais, mas aprendemos menos. Planejamos mais, mas realizamos menos. Aprendemos a correr contra o tempo, mas não a esperar com paciência. 

Temos maiores rendimentos, mas menor padrão moral. Temos mais comida, mas menos apaziguamento. Construimos mais computadores para armazenar mais informações para produzir mais cópias do que nunca, mas temos menos comunicação. Tivemos avanços na quantidade, mas não em qualidade.Estes são tempos de refeições rápidas e digestão lenta; de homens altos e caráter baixo; lucros expressivos, mas relacionamentos rasos. Estes são tempos em que se almeja paz mundial, mas perdura a guerra no lares; temos mais lazer, mas menos diversão; maior variedade de tipos de comida, mas menos nutrição. São dias de duas fontes de renda, mas de mais divórcios; de residências mais belas, mas lares quebrados. 

São dias de viagens rápidas, fraldas descartáveis, moralidade também descartável, ficadas de uma só noite, corpos acima do peso, e pílulas que fazem de tudo: alegrar, aquietar, matar. É um tempo em que há muito na vitrine e nada no estoque; um tempo em que a tecnologia pode levar-lhe estas palavras e você pode escolher entre fazer alguma diferença, ou simplesmente apagá-la apertando a tecla Del.


Meus Secretos Amigos (autor desconhecido)

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade, disse José Luís Borges, e eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem os meus amigos. Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências. A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.

Essa mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas porque não os procuro com assiduidade posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar. Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é
delicioso que eu sabia e sinta que os adoro, embora não o declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí, e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida. Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.

Se todos eles morrerem, eu desabo para a loucura ou para o suicídio. Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, maior fruto de meu egoísmo do que por quanto eles souberam tornar-se a mim tão caros. Mas como as duas coisas se confundem, eu alivio a minha consciência.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto a mim, compartilhando daquele prazer. Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos que sabem que são meus amigos, e, principalmente, os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos.

"A gente não faz amigos; reconhece-os." Garth Henrichs


Volta às aulas (Stephen Kanitz, administrador - www.kanitz.com.br)


"O jovem de hoje deve concentrar-se em uma das competências mais importantes para o mundo moderno: aprender a pensar e a tomar decisões"

Jamais esquecerei o meu primeiro dia de aula na Harvard Business School. No dia anterior recebemos noventa páginas descrevendo três problemas administrativos que haviam ocorrido anos atrás em empresas verdadeiras. Tínhamos 24 horas para tomar uma série de decisões, utilizando as mesmas informações disponíveis à diretoria da época. Era um problema por matéria, três matérias por dia.

O primeiro caso do dia tratava de uma empresa controlada por dois irmãos, bem-sucedida por trinta anos, até o dia em que um deles se desquitou e casou com uma moça vinte anos mais jovem. Esse pequeno fato desencadeou uma série de problemas que afetavam o desempenho da empresa. Nós éramos os consultores que teriam de sugerir uma saída. No primeiro dia, na primeira aula, o professor entrou na sala e simplesmente disse:

- Senhor Kanitz, qual é a sua recomendação para esse caso?

- Por que eu?

As aulas a que eu estava acostumado em toda a minha vida de estudante consistiam num bando de alunos ouvindo pacientemente um professor que dominava as nossas atenções pelo resto do dia. Simplesmente, naquele fatídico dia, eu não estava preparado quando todos voltaram suas atenções para mim - e, pelo jeito, eu é que teria de dar a aula.

Esse sistema é conhecido por ensino centrado no aluno, e não no professor. Tanto é que minha grande frustração foi ter os melhores professores de administração do mundo, mas que ficavam na maioria das aulas simplesmente calados. Curiosamente, falar em aula era uma obrigação, e não o que em geral acontece em muitas escolas secundárias brasileiras, em que essa atitude é passível de punição.

Outra descoberta chocante foi constatar que a maioria dos famosos livros de administração de nada servia para resolver aquele caso. Nenhum capítulo de Michael Porter trata especificamente de "problemas de desquites em empresas familiares", um fato mais comum nas empresas do que se imagina.

A maioria das decisões na vida é de problemas que ninguém teve de enfrentar antes, e sem literatura preestabelecida. Estamos sozinhos no mundo com nossos problemas pessoais e empresariais. Quão mais fácil foi a minha vida de estudante no Brasil, quando a obrigação acadêmica era decorar as teorias do passado, de Keynes, Adam Smith e Peter Drucker, como se fossem livros de auto-ajuda para os problemas do futuro.

Durante dois anos, estudamos mais de 1.000 casos ou problemas dos mais variados tipos: desde desquites, brigas entre o departamento de marketing e o financeiro, greves, governos incompetentes, fusões, cisões, falências até crises na Ásia. Isso nos obrigava a observar, destilar as informações relevantes, ignorar as irrelevantes, ponderar as contradições, trabalhar com vinte variáveis ao mesmo tempo, testar alternativas, formar uma decisão e expô-la de forma clara e coerente.

Estavam ensinando por meio de uma metodologia inédita na época (1972), o que poucas escolas e faculdades fazem até hoje: ensinar a pensar. Em nada adianta ficar ensinando como outros grandes cérebros do passado pensavam. Em nada adianta copiar soluções do passado e achar que elas se aplicam ao presente.

Num mundo cada vez mais mutável, em que as inter-relações nunca são as mesmas, ensinar fatos e teorias será de pouca utilidade para o administrador ou economista de hoje.

Ensinar a pensar também não é tão fácil assim. Não é um curso de lógica nem uma questão de formar uma visão crítica do mundo, achando que isso resolve a questão. Sair criticando o mundo, contestando as teorias do passado forma uma geração de contestadores que nada constrói, que nada sugere.

Minha recomendação ao jovem de hoje é para que se concentre em uma das competências mais importantes para o mundo moderno: aprender a pensar e a tomar decisões. "


Questão de Física (Waldemar Setzer, professor aposentado da USP)


Há algum tempo recebi um convite de um colega para servir de arbitro na revisao de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questao de Fisica, que recebera nota zero. O aluno contestava tal conceito, alegando que  merecia nota maxima pela resposta, a nao ser que houvesse uma  "conspiracao do sistema" contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui o escolhido.

Chegando a sala de meu colega, li a questao da prova, que dizia:  "Mostre como pode-se determinar a altura de um edificio bem alto com o auxilio de um barometro." A resposta do estudante foi a seguinte: "Leve o barometro ao alto do edificio e amarre uma corda nele; baixe o barometro ate a calcada e em seguida levante, medindo o comprimento da corda; este comprimento sera igual a altura do edificio." Sem duvida era uma resposta interessante, e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao 
veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha forte razao para ter nota maxima, ja que havia respondido a questao completa e corretamente. Entretanto, se ele tirasse nota maxima, estaria caracterizada uma aprovacao em um curso de fisica, mas a resposta nao confirmava isso. 

Sugeri entao que fizesse uma outra tentativa para responder a questao. Nao me surpreendi quando meu colega concordou, mas sim quando o estudante resolveu encarar aquilo que eu imaginei lhe seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder a questao, isto apos ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de fisica. Passados cinco minutos ele nao havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe entao se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida, e nao tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que nao havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupcao e solicitei que continuasse.

No momento seguinte ele escreveu esta resposta: "Va ao alto do edifico, incline-se numa ponta do telhado e solte o barometro, medindo o tempo t de queda desde a largada ate o toque com o solo. Depois, empregando a formula h = (1/2)gt^2 , calcule a altura do edificio." Perguntei entao ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposicao em conferir praticamente a nota maxima a prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressao de descontentamento, talvez inconformismo. Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora ja sem tempo, nao resisti a curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas. "Ah!, sim," - disse ele; - "ha muitas maneiras de se achar a altura de um edificio com a ajuda de um barometro." Perante a minha curiosidade e a ja perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicacoes. "Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barometro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edificio. Depois, usando-se uma simples regra de tres, determina-se a altura do edificio. "Um outro metodo basico de medida, alias bastante simples e direto, e subir as escadas do edificio fazendo marcas na parede, espacadas da altura do barometro. Contando o numero de marcas ter-se-a a altura do edificio em unidades barometricas. Um metodo mais complexo seria amarrar o barometro na ponta de uma corda e balanca-lo como um pendulo, o que permite a determinacao da aceleracao da gravidade (g). Repetindo a operacao ao nivel da rua e no topo do edificio, tem-se dois g's, e a altura do edificio pode, a principio, ser calculada com base nessa diferenca. "Finalmente", - concluiu, - "se nao for cobrada uma solucao fisica para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir ate o edificio e bater a porta do sindico. Quando ele aparecer; diz-se: - 'Caro Sr. sindico, trago aqui um otimo barometro; se o Sr. me disser a altura deste edificio, eu lhe darei o barometro de presente.'"

A esta altura, perguntei ao estudante se ele nao sabia qual era a resposta 'esperada' para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tao farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocinio e cobrar respostas prontas com base em informacoes mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.


O Fantasma na Máquina (Arthur Dapieve, jornalista, Set/2003)

Aviso. A presente coluna não tem nenhuma intenção de ganhar algum leitor para o ponto de vista abaixo externado. Não quer convencer ninguém ou fazer proselitismo de minhas descrenças. Apenas tenta efetuar um acerto de contas com alguns dos meus fantasmas. Na verdade, com um fantasma em particular. O fantasma na máquina.

A fagulha para que eu a escrevesse, infelizmente, perdeu-se no mar de vírus e lixo que vem tornando a comunicação eletrônica impraticável. Era uma mensagem enviada por ocasião de minha piada, semanas atrás, com o plástico “Reencarnação — Uma questão de justiça”. Lembra? Eu cheguei a achar que era mais uma reivindicação do Judiciário.

Um leitor, de Niterói, creio, mandou-me mensagem muito respeitosa, pensando que eu estava a ironizar a crença na reencarnação. Não era verdade, claro. Já declarei minha inveja de todos os que enxergam algum sentido ou propósito transcendente nesta bosta aqui. O remetente alinhavava exemplos bíblicos que abriam a porta para a metempsicose.

A partir daquilo, fiquei matutando, a sério, o que eu achava da reencarnação. Concluí que, de fato, não acredito nela, o que não significa, de modo algum, que mango dela. Não acredito em reencarnação pelo simples motivo de que não acredito nem mesmo em encarnação. Isto é, não acredito que haja uma alma encarnada no meu corpo. Somos um só, uma complexa trama de carne, osso, processos bioquímicos e fluidos, muitos fluidos.

Se considerarmos que a principal evidência da existência de uma alma seria a existência de uma mente, podemos, para efeito de trabalho, igualar alma a mente. Tanto uma quanto outra, aliás, são há tempos contrapostas e sobrepostas ao corpo. O ditado latino “mente sã em corpo são”, por exemplo, separa, em seus próprios termos, os dois mundos.

René Descartes, do século XVII, também deu uma tremenda força a esse falso dualismo. Em 1949, o legado do filósofo francês sofreu um formidável ataque de, quem mais, um colega inglês, Gilbert Ryle, no livro “O conceito de mente”. (Escrevi sobre Ryle anos atrás, não me pergunte como, numa coluna sobre Adriane Galisteu.)

Não sem sarcasmo, Ryle dizia que Descartes caíra num engano conceitual ao enxergar um fantasma (a mente) numa máquina (o corpo). Chamava isso de “o dogma do fantasma na máquina”. Foi dessa expressão que o Police tirou o título de seu quarto álbum. Nada de espantoso, se se pensar que o título do quinto, “Synchronicity”, veio de Jung.

Num sentido mais amplo, a tentação cartesiana se espraia sobre todo nosso fascínio por inteligência artificial, dos filmes de ficção científica aos computadores. Criar uma inteligência artificial seria, portanto, emular um Deus e dotar meros mecanismos de uma mente/alma. Produzir em série fantasmas em máquinas. Claro, digressiono, digressiono.

Para mim, acreditar na existência de uma alma destacável do corpo equivale a enxergar um lençol branco vagando dentro do aparelho de som. Logo, não tenho como acreditar que, quando o system pifar, esse vulto transmigre, sei lá, para a geladeira. Quando o meu system pifar, pois, pode jogar fora, enterrar, cremar. Acabou-se o que nunca foi doce.

Minha tese sobre o pós-vida é a seguinte. Digamos que você tenha nascido no dia 30 de abril de 1975. Pois bem. O que você estava fazendo na tarde de 30 de abril de 1945? Nada. Nem seu atual corpo era nascido e nem sua alma, noutro corpo, estava a fazer algo glorioso, digno de uma terapia de vidas passadas, como invadir o Reichstag, em Berlim. Você estava morto. Tão morto quanto estará, digamos, em 30 de abril de 2095.

A vida é esse breve intervalo de carne e consciência entre dois nadas. Ontem não estávamos aqui, hoje sim, amanhã não mais. Tal convicção pode ser expressa, com certeza, de maneira mais poética, como no samba “Disfarçando”, de Francis & Olívia Hime: “Sim, eu sei que um dia a vida vai se acabar/ De onde viria o dia, senão da noite?”

Bom, agora que estraguei a sua sexta-feira, vamos olhar o lado ensolarado da vida. A consciência de sua finitude não me joga nem no desespero nem no hedonismo. Pelo contrário, aquilo que os existencialistas franceses gostavam de chamar, lato sensu , de liberdade, me torna o único responsável pelos meus atos. Talvez seja aterrador num primeiro momento. No entanto, passado o susto, pode-se amar a vida pelo que ela é.

Não vai haver, no chamado do Zé Maria, nenhuma entidade suprema distribuindo notas por bom comportamento e nem o prêmio — ou, dependendo da religião, o castigo — da reencarnação. A vida é uma só. Convém aproveitá-la bem. Ou Bem, na sutileza de uma maiúscula. A simples idéia da justiça noutra vida instaura a possibilidade do Mal nesta.

Assistindo a um documentário sobre o Egito Antigo, comprovo que, ironia, imortal somente alguns corpos, pela mumificação. Com nossas modernas técnicas de preservação, como o silicone e o botox, perigamos criar um enigma para os arqueólogos do século XXXIII. Quem terá sido, afinal, aquela dona peituda de nome Winits?

 


Parabéns, Calouros de 2007 (Stephen Kanitz, administrador - www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1996, ano 40, nº 7, 21 de fevereiro de 2007 página 18

Mais de 1,5 milhão de jovens brasileiros começam neste mês a derradeira etapa de sua educação. Meus parabéns! O grande problema que vocês vão enfrentar é que o conhecimento humano está dobrando a cada nove meses. Seguindo esse raciocínio, dois anos depois de formados, entre 60% e 80% de tudo o que vocês aprenderam estará obsoleto, dependendo da profissão. Isso se seus professores ensinarem o que há de mais novo em sua especialidade, o que nem sempre acontecerá.

Vocês provavelmente encontrarão três tipos de professor. Os ultraconservadores, que ainda ensinam "conhecimentos" de 1880. Na realidade, dogmas de um mundo que não existe mais. Percebam como vocês encontrarão muito poucos professores que se definem como neoliberais, neomarxistas, neofreudianos ou neo alguma coisa. Neo significa novo. No fundo, não são progressistas como dizem, mas ultraconservadores. Acham que o mundo não mudou ou então pararam no tempo, como todo conservador.

Outro grupo de professores é o dos enganadores, aqueles que não se atualizam e dão aulas mesmo assim. Não se reciclam há anos, ensinam o que era novo dez anos atrás. Ou, pior, ensinam as mesmas coisas que eles próprios aprenderam quando estudavam. Se tiverem sorte, vocês também encontrarão um pequeno grupo de professores criativos e visionários, que criam e mostram como será o mundo de amanhã. São eles que vão inspirá-los a tentar fazer o que ninguém fez antes, são eles também que inspiraram quase todos os jovens que inventaram esses sites na internet.

O que muitos de seus professores ainda não perceberam é que o conceito de conhecimento humano mudou. Não existe mais o conhecimento perene, guardado a sete chaves, restrito às "lides acadêmicas". As universidades não são mais as "casas do saber", as "catedrais do conhecimento", como muitas se autodefinem. Hoje, o conhecimento humano é de curta duração, poderíamos até dizer descartável, usado duas ou três vezes e jogado fora, quando não faz mais sentido guardá-lo. Isso os obrigará a repensar e a gerar novo conhecimento, porque provavelmente o futuro precisará de soluções nunca vistas.

Estou exagerando um pouco para que vocês entendam aonde quero chegar. O importante é vocês aprenderem a criar conhecimento, e não somente a usar o conhecimento do passado. Eu utilizo o termo administrativo "conhecimento just in time". Vocês terão muitos problemas a resolver, e terão de saber como analisá-los, gerando uma solução ou "conhecimento" apropriado, que não necessariamente servirá para o resto da vida. Daqui a alguns anos, a situação será outra, requerendo nova análise e solução.

Que algumas coisas são perenes, como 2 + 2 = 4 e muitas leis da física, não há a menor dúvida. Mas o que estou sugerindo é que vocês tomem o cuidado de sempre questionar seus professores, para se certificar de que o conhecimento do passado será de fato útil no futuro. Max Weber, Keynes e Freud escreveriam a mesma coisa se estivessem vivos hoje? É isso que vocês precisam descobrir. Até pode ser que sim, mas é melhor desconfiar sempre.

O que eu peço a vocês, calouros de 2007, é que se concentrem em como gerar conhecimento. Como observar, como identificar variáveis relevantes, os personagens vitais do problema e os interesses. Como analisar alternativas e tomar decisões. Usei muito pouco das teorias que me ensinaram na faculdade. Meu sucesso profissional foi devido muito mais ao conhecimento que eu próprio gerei, que eu mesmo criei, do que às teorias e técnicas que mal me ensinaram.

A "faculdade" que vocês precisam adquirir é a da criação, da criatividade, da geração de conhecimento, e não a da erudição, do academicismo ou a da decoreba que se alastra pelo país.

Infelizmente, vocês terão de agradar aos dois primeiros tipos de professor repetindo o passado que eles querem ouvir, senão não serão aprovados. Mas aproveitem os próximos quatro ou cinco anos procurando e prestigiando os professores criativos, aqueles que de fato pesquisam o futuro e não somente o passado, e juntos criem o conhecimento para resolver os problemas atuais do Brasil, e mandem-nos para mim ou coloquem na internet.

Saibam distinguir quem é quem, e boa sorte!

Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School.

Página pertencente ao web site acadêmico de Francis Berenger Machado